segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Minha boneca está viva!?

Menina com menino (Portinari)
Já faz algum tempo, mas existem coisas que ficam tão carimbadas em nossa mente e que de vez em quanto, quando damos uma vasculhada para tentar organizar algumas idéias e buscar argumentos para explicar acontecimentos do dia-a-dia, elas aparecem vivas e fazem com que cheguemos a conclusão de que nada sabemos da realidade que nos cerca.
Foi no período do meu estágio supervisionado quando precisei ir a casa de um professor para que ele fizesse a observação na ficha avaliativa. Estávamos no pátio da frente de sua casa quando comecei a observar as crianças brincando na rua pelo período da manhã em um fim de semana (ainda moro numa cidade pequena e que bom que isso ainda existe), comecei a recordar meus tempos de “moleque de rua” quando brincava de bola, empinava pipa, corre-corre, amarelinha, elástico (isso mesmo, na minha infância não tínhamos esse lance de separar as brincadeiras por gênero) etc. Quando uma cena em meio aquele momento de aparente despreocupação de infância me chamou a atenção: uma das crianças, uma menina que aparentava ter por volta de cinco anos de idade sai de uma das casas carregando em seu colo outra com menos de um ano de idade e aproximando-se do grupo que já estava no local tentou se integrar às brincadeiras.
Esta cena já me chamou bastante atenção, porque em comparação a realidade em que vivo, onde tenho cinco sobrinhos com idades entre três e dez anos, jamais algum deles ficaria carregando o outro sem a supervisão de algum adulto. Mas, dando sequência a cena que me pareciam saídas de um filme, as outras crianças, especialmente o grupo de meninas, se solidarizando com aquela que tinha a responsabilidade com o bebê de colo, juntaram-se e começaram a compartilhar alguns dos poucos brinquedos que possuíam. Eram algumas bonecas e outras miniaturas de utensílios de cozinha. A menina de cinco anos brincava com uma boneca “Barbie” em uma de suas mãos e na outra, cuidava de uma “boneca de verdade”.
Realidade crua choca!? Pelo menos neste caso me “chocou”! Diria a nossa psicologia que está criança esta tendo sua infância roubada e, ao meu ver, está mesmo! Só que isto é uma realidade dentro da cultura dos povos da Amazônia, onde muitas pessoas nos contariam que passaram por situações parecidas e estão vivas e mais, com um bom caráter. Como argumentar com estas pessoas que isto não fará bem a estas crianças? Às vezes, apesar das várias leituras que tenho sobre a construção do ser social e das conseqüências que algumas circunstâncias podem ocasionar na formação, me questiono se determinadas situações, postas em xeque pela psicologia, não fariam realmente bem, especialmente quando tenho que argumentar com pessoas de mais idade que aprenderam através da experiência de suas vidas e não nos livros. É muitos difícil admitir isto, mas sinceramente, me questiono sim.
Um coisa é certa, não posso me distanciar do cotidiano das pessoas que pretendo de alguma forma colaborar com a melhoria de suas vidas, seja como educador ou militante de movimento social. Não posso levar receitas prontas de mudança sem antes compreender suas realidades, pois provavelmente me depararei diversas vezes com “bonecas vivas”.

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